quarta-feira, 21 de julho de 2010

Please, let's put an end on this.

Imagine um pequeno cão. Preso numa gaiola, numa sala escura. Ao seu lado, e acima, e abaixo, outras gaiolas, com outros animais. No silêncio, ele fica acordado, presa de expectativa.
Já cansou de latir, uivar, e agora apenas espera - pelo que não sabe nem pode prever.
Foi trazido de algum lugar (um centro de controle de zoonoses da prefeitura), depois de ter sido apanhado pela carrocinha - um cão que vivia solto pelas ruas. Sem dono, sem nome, sem referência, esteve próximo do sacrifício, mas enfim alguém adquiriu sua posse. Uma faculdade - uma das muitas faculdades de medicina que ainda usam animais.
O tempo passa. Em sua mente, apenas a escuridão.
Vez ou outra, um ruído próximo: outro animal se move, ou suspira. Com fome, arrepiado (é frio, o depósito), o cão mantém-se quieto, enroscado em si mesmo. Os olhos varrem o escuro, mas sabe que adiante estão as grades.
Então, um som. Um filete de luz surge ao rés do chão. E uma porta se abre. Um homem vestido com uniforme azul entra na sala, enquanto animais acordam e começam a latir. O cão na gaiola se levanta e, não sendo bravo, aperta os olhos para acompanhar o movimento. Vê as grades se abrirem, é seguro por mãos firmes e comprimido junto ao peito. De repente, está no meio da luz. O contato do uniforme o esquenta, as mãos têm delicadeza. O homem tranca o depósito, os latidos dos animais ficam distantes.
Cruzam um corredor, de paredes brancas e janelas gradeadas. Cruzam outra porta e, no momento seguinte, o cão vê-se entre dezenas de pessoas. São rapazes e moças, vestidos com jalecos brancos - alguns parecem tensos. Farejando o ar, o cão percebe medo e o coração bate mais forte. Há um clima tenso e todos o seguem com o olhar. 
No silêncio da sala, um homem maduro, também de jaleco, toma-o das mãos do primeiro homem e diz alguma coisa.
O-B-R-I-G-A-D-O (o tom soa tranqüilo).
Sozinho, o cão busca em redor. Numa janela, o começo da manhã: um pátio, pessoas, carros parando. O coração batendo, ouve o professor falar aos estudantes.
Alvo de olhares, sente a tensão crescer, mas nem todos estão tensos. O silêncio continua grande, entre cada palavra do homem de branco. Não há tanta delicadeza, agora - as mãos apertam seus rins. Algo como ser pego com pouca atenção.
Chega o momento em que o homem pára de falar e dois rapazes acercam-se do cão. Pares de mãos colocam-no sobre uma mesa - de costas, sobre o frio alumínio. Os jovens mantêm-no nesta posição, enquanto o professor toma cada uma das patas e estende, amarrando com barbante. O cão vê tudo de cabeça para baixo.
No crânio, a pressão da mesa, o frio nas orelhas e no dorso. Tenta se mover, mas as pernas estão esticadas para fora. Quanto mais luta, mais forte é a pressão nos pulsos. Sentindo o ar, percebe a tensão, agora dominante - o coração batendo muito rápido.  
Então, o homem de jaleco diante de seus olhos prende-lhe o focinho com barbante. Sem ver a janela, o cão escuta o homem falar, palavras que não entende, avisos que não entende e instruções que não entende. Se pudesse entender, saberia que tratam da importância do conhecimento científico e da necessidade de observação imparcial diante do que será feito.
O cão escuta um som metálico - um caixa é colocada, ao seu lado. Uma moça, de vinte e poucos anos, tira um objeto brilhante e o entrega ao homem de jaleco. O coração bate sob a pele, os pulmões respiram com rapidez e há uma ânsia de latir. A dor nos pulsos fica mais angustiante. Já não vê a janela, mas ouve ruídos, sons vindos de longe.
O cão procura uma presença, olha em redor de si, mas somente vê frascos escuros e cartazes com desenhos (fisiologia humana). Nesse momento, o grupo aproxima-se, fecha-se em torno: dezenas de jalecos brancos e, mais próximo, o professor. Então, sente uma dor aguda - começam a cortar sua barriga. O coração dispara, tenta soltar-se, a dor fica insuportável. Debate as pernas, mas tão presas estão que quase não pode movê-las. Os pulsos estalam, o pescoço incha, os olhos ficam vermelhos e um gemido escapa pelo barbante.
Como queria latir - desabafar a dor!
O corpo quente diante de seus olhos debruça-se, o ventre arde e queima enquanto o bisturi avança. 
O cão grita, mas o som perde-se na garganta. Não houve um som, apenas as batidas surdas do coração. Ninguém fala, existe apenas a tensão contida. Movendo a cabeça, vê jalecos amarelos (a visão se embaça), rostos contritos e atentos. Os olhos não piscam, mas evitam os seus.
Sobre a mesa, o cão treme. Já não luta, não se move - mas ainda está vivo. Um calor brota de si, escorre pelo corpo, empapa seu dorso - sangue jorrando. A mente nublada, os olhos escuros, sente o bisturi parar. Mãos abrem sua barriga. O corpo estremece, as pernas de afrouxam, enquanto as vísceras são manuseadas.
O coração bate fraco, os olhos se fecham, a respiração diminui.
Os jalecos se inclinam, uma voz fala no silêncio sem gemidos.
Depois, fecham-no.
E acaba a lição.

"Uma pessoa contou-me esta história.
Na verdade, era ainda pior - preferi atenuá-la.
Trata-se de um fato recente, que não foi denunciado.
É verdade que leis proíbem tal prática, sem anestesia.
Mas quem garante que sejam cumpridas?"

Do livro "Sociedade, ecologia e direitos dos animais"

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